Acabou ontem o seminário "Drogas: cidadania, autonomia e tutela", promovido pelo Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco. Auditório lotado, cerca de 500 pessoas, salas de grupos abarrotadas, debates incendiados. Gente como Rafael Gil, Paulo Fraga, Sérgio Vidal, Marta Conte, Humberto Verona, Alda Roberto e tantos outros circularam por lá, garantindo a profundidade dos muitos debates, em torno de múltiplos temas relacionados às drogas e seus usos. Os psicólogos pernambucanos estão de parabéns!
A mesa de abertura teve representantes do Ministério Público, Secretaria Estadual de Saúde, Conselho Federal de Psicologia, Conselho Regional de Psicologia, Câmara de Vereadores, Rede Internúcleos da Luta Antimanicomial e Associação Pernambucana de Usuários e Ex-Usuários de Álcool e Outras Drogas. Abertura feita, coube a mim a conferência de abertura. O tema surgiu de uma fala feita pelo Marcus Vinícius durante reunião de articulação de uma rede de ativistas interessados no tema das drogas, realizada durante a IV Conferência Nacional de Saúde Mental, articulando os temas: drogas; subjetividade; autonomia; tutela. Ciente disto, escrevi um e-mail ao Marcus pedindo algumas linhas de inspiração. Na resposta, generoso, Marcus disse que não havia criado nada de novo; apenas articulav temas que foram os mesmos articulados por Franco Basaglia para pensar as transformações em Trieste, e que até hoje inspiram o Movimento da Luta Antimanicomial.
Iniciei minha fala com uma justa homenagem ao Marcus, que sofreu um grave acidente no sábado, do qual já está se recuperando. Iniciei em Descartes, passei por Pinel, e falei de um filme belga chamado "O Ilusionista". Em um dado momento, uma das personagens é submetida a uma lobotomia, da qual resulta uma cicatriz na testa. Momentos depois, há uma cena em que esta personagem retira de sua testa a cicatriz, como fosse (e realmente era) um simples decalque, um recurso de maquiagem. Até contínuo, volta às mesmas características "loucas" de antes da cirurgia, diante do que sua família torna-se agressiva com ele. Como os usuários de drogas, a personagem do filme opta pela desrazão, e é por isto é amaldiçoada.
Terminei minha fala abordando o tema das Marchas da Maconha: podemos ser até mesmo contrários à legalização desta ou de qualquer outra droga, mas jamais poderemos sustentar a cassação do direito de livre manifestação dos participantes. Se cidadania faz bem à saúde, deveríamos mesmo incentivar a participação dos usuários de drogas neste tipo de debate.
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No exato momento em que escrevo esta postagem, ouço o voto do Ministro Celso de Mello, em defesa da legalização da Marcha da Maconha. Diz o Ministro que é "perfeitamente lícita a manifestação a favor da descriminalização das drogas". Vivemos um momento histórico. A partir de agora, o espírito da Lei 11.343, que buscava escancaradamente a promoção de cidadania entre pessoas que usam drogas, começa a florescer em sua dimensão mais progressista. É o que espero...
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A votação no STF já terminou há algumas horas. Por 8 votos a zero, foi definido que as Marchas da Maconha são atividades legítimas, não podendo ser consideradas como uma apologia ao crime ou ao consumo de drogas. Além disto, está plenamente autorizada a utilização da palavra "maconha", sem nenhuma necessidade de buscar outras denominações para as marchas.
Sem dúvida nenhuma, é um dia histórico para as políticas de drogas. A partir de agora, os usuários de drogas podem ser efetivamente respeitados em seu direito de participação na elaboração das políticas dirigidas justamente para eles mesmos. Isto não é apenas o mais correto do ponto de vista dos princípios democráticos, mas também resulta em políticas públicas de maior qualidade. Quem ganha é a sociedade como um todo.
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