Hoje eu recebi um e-mail enviado pelo Leandro Roque, psicólogo, coordenador de equipe no CAPSad Primavera, na cidade de Cabedelo, Paraíba. É o CAPSad em que eu trabalho, faz dois anos, com muito orgulho. Mas no e-mail, infelizmente, mais uma notícia sobre torturas em uma clínica privada de "tratamento" para pessoas que usam álcool e outras drogas.
Até aí, nada de novo. Infelizmente, as denúnicas de absurdos relacionados a este tipo de instituição não são nenhuma novidade. Aqui mesmo, no meu site, é possível encontrar um texto no qual eu falo disto, que saiu em duas publicações ("Outras palavras sobre o cuidado de pessoas que usam drogas", organizado pelo CRP/RS, e "Gênero e Drogas", que saiu pelo Instituto Papai e Gema).
Neste texto, eu faço referência a dois personagens que julgo muito importantes na escrita de uma literatura menor sobre o tema do "cuidado" a pessoas que usam álcool e outras drogas (que é, a bem da verdade, um subcapítulo do grande livro dos horrores que é a história do "cuidado" em "Saúde Mental"). O primeiro, relativamente popular no Brasil, é Austragésilo Carrano, que ficou mais conhecido por meio de Neto, personagem central de "Bixo de 7 Cabeças", filme de Lais Bodanski inspirado no livro em que Carrano conta sua passagem pelos porões mancomiais. O segundo, menos conhecido, é o portoalegrense Caho Lopes, que criou o personagem Klaus para descrever o inferno que passou em uma clínica privada.
Eu também estive em uma destas clínicas, e falo sobre isto no referido artigo. Era 1989, Porto Alegre. Foi apenas uma noite e uma manhã, e não, eu não fui torturado. Mas lembro de algumas coisas:
1. área que era destinada ao banho de sol. Era muito pequena, não mais que um quadrado de 5 por 5, ladeada por altos muros. O detalhe: acima de nossas cabeças, havia grades... Era um céu gradeado sobre nós...
2. houve um bingo logo após o almoço. Ganhei um chocolate. Quando ofereci um padeço ao cara que estava ao meu lado, ele se afastou de mim como quem se afasta de algo muito perigoso, dizendo "Não! Não! Não!". Era proibido dividir qualquer coisa com outros internos.
3. saí logo depois deste almoço. Meu pai foi me buscar. Num primeiro momento, disseram-lhe que ele só poderia me ver depois de meses. Quando elevou o tom de voz, fui solto.
4. minhas roupas foram todas carimbadas com uma longa numeração.
5. Lembro que busquei alguma coisa pra ler, e encontrei uma brochura produzida pelos próprios internos, provavelmente em alguma oficina. Havia uma espécie de charge falando em "Neozine na veia", em tom ameaçador, uma brincadeira feita pelos internos diante da realidade do uso de medicação como castigo.
Esta clínica passou por problemas tempos depois, quando uma rebelião terminou com uma estagiária feita refém, e fuga em massa. O prédio foi interditado para internação de usuários de drogas, mas ainda hoje é possível encontrar referências a atividades deste tipo realizadas no mesmo local. Não farei nenhuma referência ao endereço ou ao nome da instituição, pois o próprio Carrano, falecido recentemente, sofreu grandes prejuízos financeiros por ter denunciado os canalhas que administravam os buracos pelos quais ele desafortunadamente passou.
Usuários de drogas têm suas palavras capturadas pelo seu diagnóstico. "São manipuladores", dizem. Não podem reclamar do tipo de tratamento que se lhes oferece, pois isto será traduzido na sintomatologia como "resistência ao tratamento". E é possível que a carga de "tratamento" aumente, o que pode significar, na prática: aumento de medicamentos, de tortura, ou tempo de internação. Ou o que é pior: de tudo isto junto.
Coisas para pensarmos em tempos de internação compulsória...
Até aí, nada de novo. Infelizmente, as denúnicas de absurdos relacionados a este tipo de instituição não são nenhuma novidade. Aqui mesmo, no meu site, é possível encontrar um texto no qual eu falo disto, que saiu em duas publicações ("Outras palavras sobre o cuidado de pessoas que usam drogas", organizado pelo CRP/RS, e "Gênero e Drogas", que saiu pelo Instituto Papai e Gema).
Neste texto, eu faço referência a dois personagens que julgo muito importantes na escrita de uma literatura menor sobre o tema do "cuidado" a pessoas que usam álcool e outras drogas (que é, a bem da verdade, um subcapítulo do grande livro dos horrores que é a história do "cuidado" em "Saúde Mental"). O primeiro, relativamente popular no Brasil, é Austragésilo Carrano, que ficou mais conhecido por meio de Neto, personagem central de "Bixo de 7 Cabeças", filme de Lais Bodanski inspirado no livro em que Carrano conta sua passagem pelos porões mancomiais. O segundo, menos conhecido, é o portoalegrense Caho Lopes, que criou o personagem Klaus para descrever o inferno que passou em uma clínica privada.
Eu também estive em uma destas clínicas, e falo sobre isto no referido artigo. Era 1989, Porto Alegre. Foi apenas uma noite e uma manhã, e não, eu não fui torturado. Mas lembro de algumas coisas:
1. área que era destinada ao banho de sol. Era muito pequena, não mais que um quadrado de 5 por 5, ladeada por altos muros. O detalhe: acima de nossas cabeças, havia grades... Era um céu gradeado sobre nós...
2. houve um bingo logo após o almoço. Ganhei um chocolate. Quando ofereci um padeço ao cara que estava ao meu lado, ele se afastou de mim como quem se afasta de algo muito perigoso, dizendo "Não! Não! Não!". Era proibido dividir qualquer coisa com outros internos.
3. saí logo depois deste almoço. Meu pai foi me buscar. Num primeiro momento, disseram-lhe que ele só poderia me ver depois de meses. Quando elevou o tom de voz, fui solto.
4. minhas roupas foram todas carimbadas com uma longa numeração.
5. Lembro que busquei alguma coisa pra ler, e encontrei uma brochura produzida pelos próprios internos, provavelmente em alguma oficina. Havia uma espécie de charge falando em "Neozine na veia", em tom ameaçador, uma brincadeira feita pelos internos diante da realidade do uso de medicação como castigo.
Esta clínica passou por problemas tempos depois, quando uma rebelião terminou com uma estagiária feita refém, e fuga em massa. O prédio foi interditado para internação de usuários de drogas, mas ainda hoje é possível encontrar referências a atividades deste tipo realizadas no mesmo local. Não farei nenhuma referência ao endereço ou ao nome da instituição, pois o próprio Carrano, falecido recentemente, sofreu grandes prejuízos financeiros por ter denunciado os canalhas que administravam os buracos pelos quais ele desafortunadamente passou.
Usuários de drogas têm suas palavras capturadas pelo seu diagnóstico. "São manipuladores", dizem. Não podem reclamar do tipo de tratamento que se lhes oferece, pois isto será traduzido na sintomatologia como "resistência ao tratamento". E é possível que a carga de "tratamento" aumente, o que pode significar, na prática: aumento de medicamentos, de tortura, ou tempo de internação. Ou o que é pior: de tudo isto junto.
Coisas para pensarmos em tempos de internação compulsória...
Um comentário:
É isso mesmo Denis... Como já te contei, tb passei por três internamentos e, por mais penoso que tenha sido seguir as ordens dessas instituições totais, achei-as melhores e mais confortáveis do que as quatro vezes que estive detido em celas de delegacias.
No entanto, no fundo e no fundo, a pessoa se encontra presa, submetida a intervenção de terceiros e com uma série de limites da voz às atitudes.
Penso que tem de encontrar uma maneira nova de cuidado ao usuário de álcool e outras drogas, que venha substituir de vez as clínicas e comunidades terapêuticas. Enquanto estas forem a "bola da vez", creio que muito pouco se há de fazer, a não ser espernear e gritar aos quatro cantos. P.S. = Denis, tive meu endereço de e-mail da lista "drogasecidadania" bloqueado e, fiquei desligado desta. Tb houveram outrpos problemas q me deixaram "fora do ar". Por favor, cadastre-me com este endereço - ser1pinho@gmail.com - GRATO !!!
abs. Sérgio Pinho
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