Onda andam os redutores?
Em julho de 2009, escrevi um e-mail para uma lista de discussões sobre a Reforma Psiquiátrica reclamando de uma cartilha sobre Redução de Danos produzida pela pessoal do PROAD/UNIFESP (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo). Minha crítica ia no sentido de que a referida cartilha fala sobre redutores de danos apenas no capítulo destinado às ações junto a usuários de drogas injetáveis, podendo passar a falsa ideia de que estes trabalhadores só teriam contribuições junto a esta população específica de usuários de drogas.
Até aí, tudo bem... O problema foi que eu peguei pesado na escrita, descambando para o desrespeito, atitude nada adequada, ainda mais em se tratando do PROAD, uma instituição série, com imensas contribuições à construção de tecnologias de cuidado inovadoras e comprometidas com o SUS e a Reforma Psdiquiátrica.
Mas o "limão" do texto atrapalhado acabou gerando uma boa "limonada": de minha parte, um escrito/elogio ao PROAD; da parte de Marcelo Niel, psiquiatra e pesquisador do PROAD, um texto sobre a importância do trabalho dos redutores de danos. Aproveito para reproduzir abaixo o texto do Marcelo, em homenagem à Elisandra e ao Tuca, redutores de danos de Pelotas (RS), de quem partiram os esforços que resultam na realização do encontro "FAZENDO MOVIMENTO ENTRE OS AGENTES REDUTORES DE DANOS", agendado para os dias 23 e 24 de novembro, e que tem por objetivo justamente a discussão sobre a atual situação dos redutores de danos no estado do Rio Grande do Sul.
Oxalá que o exemplo dos amigos de Pelotes provoque ações semelhantes em todo o Brasil. Por enquanto, ficamos com a carta de Marcelo Niel.
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POR ONDE ANDAM OS REDUTORES?
Nossa! Essa “lavação de roupa” positivíssima acabou servindo de “start” para discutirmos um aspecto muito importante sobre a Redução de Danos: por onde andam os redutores de danos?
No ano de 2002 iniciei meu Mestrado na UNIFESP e comecei a participar de diversos encontros ligados ao movimento de RD. De 2002 a 2005, pude observar a ascensão do movimento, a ampliação de PRDs por todo o Brasil, a organização e sistematização das atividades dos Redutores e a “ameaça” (ameaça “boa”, lógico) da profissionalização do Redutor de Danos... Tive a oportunidade de participar de oficinas, cursos e treinamentos para Redutores de Danos, além de levar os conceitos e fundamentos da RD em cursos, palestras e congressos onde ela era ainda desconhecida até mesmo indesejada...Nesse período tivemos a reativação do PRD no PROAD, com treinamento de redutores para o campo e financiamento da Elton John AIDS Foundation, que custeava o trabalho deles... Mas infelizmente, tenho observado um movimento diferente: na ocasião da elaboração da Cartilha financiada pelo MS, verificamos que vários PRDs não existem mais, o financiamento que custeava o trabalho de nossos Redutores acabou e, de várias formas e em vários lugares, sinto que tem havido uma espécie de “enfraquecimento” do movimento.
Não têm mais chegado UDIs no PROAD para tratamento, encaminhados por Redutores de vários PRDs, não tenho sido procurado para “arranjar tratamento” para usuários acessados no campo... O que será que ocorreu? Será que a RD saiu de moda? Será que os Redutores estão entrando em extinção? Não acredito que uma estratégia tão importante no cuidado aos usuários de drogas possa ser abandonada, esquecida, tornar-se obsoleta ainda tão jovem... Mas algo estranho está acontecendo...
Tenho várias teorias para esse fenômeno: uma delas é que acho que muitos dos “leões” da RD, que brigaram, que lutaram, que sofreram pela causa, cresceram, cresceram tanto que até muitos deles viraram “políticos”... secretários de não sei o que, acessores de não sei o que lá...E ainda que muitos deles estejam ativamente contribuindo para a RD lá do seu “Olimpo”, muitos podem ter sido “sufocados” pelas burocracias, pelos papéis, pelas reuniões intermináveis....E com o afastamento dos “leões”, num tempo em os discípulos ainda não superaram os mestres, o movimento pode ter enfraquecido....
Não acho que a RD já se tornou tão forte e tão difundida pelo Brasil a ponto de não precisarmos mais brigar por ela. Diversos profissionais de saúde, mesmo atuantes na área de saúde mental e até no tratamento de dependentes de drogas sequer conhecem os conceitos fundamentais da RD. Tem gente que ainda pensa que a RD serve para incentivar o consumo de drogas... Ou seja: muito ainda tem que ser feito.
Mas para que seja feito direito, acredito que temos que resgatar a figura do Redutor que conheci outrora: briguento, destemido, idealista, amante da causa. Ao mesmo tempo que porte esses atributos, tem que ter remuneração adequada, respeito, profissionalismo, suporte e respaldo técnico, treinamento...
Bem, acho que é isso. Sou um amante confesso da RD. Admiro o trabalho árduo dos redutores, a luta dos PRDs e assisti de muito perto a trajetória de diversos UDIs que pararam de injetar-se, passaram a usar drogas “menos pesadas” e conseguiram deixar ou controlar o uso... Pacientes do PROAD que, pela orientação dos Redutores, trocaram crack por maconha, cachaça por cerveja...
E à medida que desaparecem os Redutores, proliferam-se os “conselheiros” de Comunidades Terapêuticas hipócritas, que encarceram e maltratam nossos pacientes... Realmente dá muito mais dinheiro e “status” ser conselheiro do que Redutor...
Não podemos deixar que a RD esmoreça, precisamos nos unir, expandir, divulgar e também produzir “ciência” com as nossas experiências, para consolidar as práticas da RD junto à comunidade científica e também, seguindo o propósito da nossa cartilha, formar e informar os profissionais de saúde sobre essa estratégia tão ímpar...
Abraços a todos,
Marcelo Niel
Uma semana em BH e Maceió
Este ano de 2011 tem sido extremamente generoso comigo, no que tange às possibilidades de visitar diferentes cidades do Brasil, para a realização de atividades de formação com trabalhadores sociais (especialmente das redes de Saúde e Assistência Social). Nesta semana que passou, estive conversando sobre o cuidado dirigido a pessoas que usam drogas nas cidades de Belo Horizonte e Maceió.
Em BH, a conversa foi com trabalhadores do CERSAMad (em Minas, os CAPS são chamados de "CERSAM"), de Centros de Convivência (Belo Horizonte possui 9 destes serviços!), do Consultório de Rua, e de diversos outros serviços das redes de Saúde e Assistência Social. Foi na terça-feira, véspera do feriado do dia 2 de novembro. Na parte da manhã, conversamos um pouco sobre a história do cuidado em saúde dirigido a pessoas que usam drogas, desde a Grécia até os dias de hoje, passando pela transformação dos leprosários em manicômios, instituições que sempre tiveram lugar reservado para os bêbados de rua, e mais recentemente, para usuários de drogas tornadas ilícitas. Na parte da tarde, realizamos uma oficina de produção de instrumentos de uso de crack. A ideia era transportamo-nos para o universo das cenas de uso de crack, buscando aproximar os presentes desta realidade, de modo a conhecer as técnicas de uso, e as possíveis formas de redução de danos associados a estas diferentes formas de se usar crack. A foto que ilustra este posto mostra um pouco desta oficina.
Nesta sexta-feira, estive na cidade de Maceió, para atividade de lançamento do Centro Regional de Referência em Crack, Álcool e Outras Drogas de Alagoas, que está sob a coordenação da Professora Jorgina Sales, da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas. Foram dois turnos de conversa com os participantes, tendo como temas o próprio conceito de droga, a partir de múltiplas aproximações (história, sociologia, antropologia, criminologia, farmacologia...), e também uma análise de conjuntura no que tange aos rumos das discussões e das políticas sobre drogas efetivadas no Brasil contemporâneo, especialmente ao longo deste ano de 2011. Neste ponto, discutimos mais profundamente questões que eu já trouxe aqui para o blog, neste POST.
Com esta, já são 4 as atividades em colaboração com CRR's. Na próxima semana, estarei novamente em Pelotas, no Rio Grande do Sul.
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